Vocês são o sal da terra. Mas se o sal perder o seu sabor, como restaurá-lo? Não servirá para nada, exceto para ser jogado fora e pisado pelos homens. Vocês são a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade construída sobre um monte. E, também, ninguém acende uma candeia e a coloca debaixo de uma vasilha. Pelo contrário, coloca-a no lugar apropriado, e assim ilumina a todos os que estão na casa. Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus”. Mateus 5:13-16
Enquanto Igreja, estamos vendo nos dias de hoje vários acontecimentos, que, direta e indiretamente, atingem a doutrina e os valores do Evangelho de Jesus Cristo, fundamentos de nossa vida e missão no mundo. Alguns acontecimentos partem do nosso meio e outros partem da sociedade. Portanto, são duas realidades de influência com as quais estamos envolvidos e que precisamos responder, tanto para dentro como para fora dos arraiais da comunidade de fé. Vivemos num mundo marcado por contradições profundas e polarizações perigosas para as famílias, comunidades locais, cidades e nações. Ter participação ativa sem extremos e radicalismos ajuda na construção de processos mais justos e menos arriscados para todos.
Tendo em vista esse contexto, devemos refletir sobre alguns aspectos importantes, com base em uma perspectiva tanto de dentro como de fora da igreja.
Ao observar o lado de dentro da igreja, vemos cristãos imaturos que entram na política apenas para garantir os seus sustentos ou para ter status e poder sobre os outros e influência sobre pessoas e instituições. Muitos nem sabem ao certo o que vem a ser política, para poder distinguir a boa política da má política. Política denota a vida da cidade (polis) e as responsabilidades do cidadão (polites). Diz respeito, portanto, à nossa vida em sociedade. Política é a arte de viver junto em comunidade. A definição restrita diz que política é a ciência do governo, mais relacionada à formulação de leis com o propósito de construir uma sociedade melhor, mais igualitária, mais justa para todos, indistintamente.
A Igreja não está envolvida na política restrita, partidária, ideológica, mas participa da vida e do desenvolvimento da cidade, portanto exerce uma política em sua visão mais ampla. Jesus se absteve da política restrita de César, de Pilatos, de Herodes, mas se envolveu o tempo todo na vida das cidades, indo pelos becos, curando as pessoas, gerando dignidade, quebrando preconceitos, combatendo a religiosidade hipócrita de seu tempo. Nesse sentido, Ele era comprometido com a boa política das cidades. Assim também deve ser a Igreja. Jesus realizou uma verdadeira revolução em seu tempo, promovendo os seres humanos mais humildes e apavorando os poderosos da época. Jesus, com seu ensino, destruía estruturas de poder humano e político de seu tempo. Jesus desafiava os valores injustos daquela época, mas também prometia um novo tempo, um novo reino, caracterizado por novos valores que promoviam a vida com mais dignidade e justiça.
Diante do exposto, entendo que todos os cristãos devem ser comprometidos com a boa política em cada cidade, comprometendo-se a lutar para que ela seja melhor para todos e a combater todos os males que geram morte e injustiça. Entendo que há cristãos que podem exercer a política restrita, porém não podem perder a visão de ser cristão em suas ações e lutas, colaborando para a construção de leis, propostas que ajudam as pessoas, sejam quem forem, não apenas para um seguimento cristão e evangélico ou metodista. Se não estiver disposto a manter os valores do Evangelho na política restrita, é prudente nem entrar, para não dar mal testemunho e trazer escândalos para o evangelho, prejudicando a missão da igreja no mundo.
Ao mudar de prisma, observando o lado de fora da igreja, percebemos que somos muitas vezes tratados como eleitores e parece que em nosso rosto está escrito apenas “votantes”. Muitos candidatos usam de artimanhas para serem votados, garantindo assim sua eleição, seu cargo de poder e com salário e benefícios além da normalidade social e justa. Quando ganham, não nos tratam como cidadãos; muitos nem recebem as pessoas e abandonam os problemas sociais de sua cidade e bairro. Por causa desta e de outras realidades que envolvem o tema política e políticos, muitos cristãos acabam se acomodando, outros se alienando, enquanto outros não desistem de se envolver com o firme propósito de ajudar a cidade a ser melhor para todos. Mesmo porque, quando coisas ruins acontecem, atingem a todos; quando políticos decidem errado, todos são prejudicados.
Nosso desafio é ter envolvimento responsável, valorizando a vida de todos, com princípios e valores que geram dignidade humana e, enquanto igreja, também glorificam o Pai que está nos céus, por meio de boas e relevantes obras, tanto de piedade como de misericórdia. O equilíbrio entre pregar o evangelho e envolver-se socialmente deve acompanhar os cristãos, em especial os metodistas, por causa de seu legado histórico. João Wesley pode nos inspirar hoje, pois ele viveu e pregou um evangelho integral, tanto na Europa como na América. Devemos lembrar dele como evangelista itinerante, pregador ao ar livre, com sua santidade bíblica, mas também como alguém que ensinou os metodistas a se envolverem e a abraçarem causas sociais em nome de Jesus Cristo. A Inglaterra se livrou de guerras sangrentas, como foi na França, e uma das causas foram as ações dos metodistas na sociedade, com valores que transformam o ser humano de maneira plena.
Avivamento, discipulado e visão missionária estão sempre acompanhados de comprometimento social. Wesley é lembrando como pregador do genuíno evangelho de Cristo, bem como profeta da justiça social. A Igreja de hoje não pode fechar os olhos diante de tantas mazelas e descasos das autoridades em nossa cidade, estado e nação. Precisamos ser conhecidos como a Igreja que prega e vive o Evangelho transformador de Cristo, bem como precisamos ser notados por nosso envolvimento social responsável e banhado do amor de Deus e do poder do Evangelho.
‘No mundo, as opções políticas sofrem interferências diretas, ora por parte dos próprios governantes estabelecidos, ora por parte do povo governado.
Governo interferidos por maus governantes podem ser, por exemplo, autoritários. São os governos que impõem sua visão de mundo sobre as pessoas. Fogem de leis, constituições, eleições livres e justas, enfim dos direitos das pessoas. Eles têm visão pessimista do ser humano e pensam que somente eles é que sabem e que devem decidir pelos demais. Não acreditam na liberdade das pessoas. Costumam tolher as pessoas até de adorar livremente o seu deus.
Por outro lado, o povo pode ser pendido à anarquia. Vivem do lado oposto do autoritarismo: são otimistas quanto as pessoas e acham que nem precisam de governos sobre si mesmos. O poder está no povo e não aceitam que alguém possua mais poder que outros. Vem do grego, que significa “sem soberano”. Possuem uma veia de violência quando desejam se opor a qualquer governo. Porque isso que no imaginário popular são relacionados ao caos, bagunça, desordem social.
Já o ideal conciliatório entre governo e povo, e constitucionalmente assegurado ao sistema governamental de nosso país, pressupõe a chamada democracia. Governos democráticos procuram ser realistas, procuram participação das pessoas, entendem que o bem de todos deve ter primazia em suas decisões e leis. Abraão Lincoln definiu democracia como governo do povo, pelo povo e para o povo. Preocupa-se com a dignidade humana, com a liberdade humana, com o desenvolvimento dos humanos, dá aos humanos participação em suas decisões e escolhas. Dão a todos responsabilidades de colaborar com todos e para todos.
A Igreja participa de todos estes movimentos e não tem como fugir deles. Contudo a Igreja deve caminhar por princípios que vão além desses modelos de governos: os do Reino de Deus, dos governos de Deus manifestado em Jesus Cristo. Mesmo se inclinando e defendendo mais a democracia, entendo que onde há ser humano haverá problemas e fragilidades, porém é melhor trabalhar tudo isso no contexto de liberdade civil, religiosa, não no contexto de autoritarismos e de desordem social e espiritual. A Igreja pode influenciar os sistemas com os valores do evangelho de Jesus Cristo.
Frente a essa reflexão, específico algumas práticas saudáveis para o povo metodista e outros cristãos.
- Não podemos, enquanto igreja, politizar o Evangelho de Jesus Cristo ou o cristianismo. Este evangelho não pertence a nenhum político e a nenhum partido ou ideologia política. O Reino de Deus está acima de tudo e de todos.
- Não podemos separar o social do espiritual. Nosso serviço social ou ação social não pode existir sem oração, sem testemunho da graça de Deus. Não podemos separar programas sociais de princípios transformadores do Evangelho de Cristo e da Bíblia Sagrada.
- Os cristãos devem ser inconfundíveis e influentes. Devem ser sal e luz do mundo. Todo envolvimento político deve passar por esses valores cristãos.
- Os membros da comunidade local não podem impor um ao outro nenhuma linha ideológica, partido ou políticos. Todos devem lutar pela unidade da Igreja local e não devem desejar prevalecer sobre outros com seus posicionamentos pessoais. Não podemos deixar que ideologias, partidos e políticos nos dividam. Devemos e podemos dialogar uns com os outros, até tentar em amor persuadir, mas jamais faltar com respeito e honra de um para com o outro que pensa diferente.
- Todos os líderes pastorais que desejam exercer a política partidária e concorrer às eleições têm essa prerrogativa, não estão proibidos, porém não podem permanecer na função e assim devem solicitar licença para fins particulares. Esperamos compreensão e respeito à posição da igreja, e não rebeldia e engano às autoridades da igreja.
- A Igreja local não tem partido político, não defende nenhuma ideologia, seja de esquerda ou de direita. Os membros têm liberdade, à luz do Evangelho, de fazer suas opções pessoais, sem desmerecer os que pensam e fazem outras opções. Se em uma Igreja local há candidatos de partidos diferentes, a Igreja local orará por todos, mas não apoiará diretamente nenhum deles. Devemos preservar a unidade da Igreja ao não fazer opção internamente por um em detrimento do outro.
- A Igreja pode promover debates no salão social da Igreja, com candidatos da igreja, quando tiver mais de um, para que a comunidade faça livremente suas escolhas, conforme as propostas e o caráter cristão de cada candidato. Também pode promover diálogos com candidatos de fora da igreja, sem distinção partidária, para fazê-los conhecidos e ajudar a comunidade local em suas escolhas. Deve levar o voto quem tem propostas que se aproximam mais dos valores sociais que acreditamos como Igreja, sendo ele da igreja ou não. Prioritariamente votamos em irmãos, desde que esses irmãos sejam de bom caráter e tenham boas propostas e se responsabilizam em prestar conta aos seus eleitores e lutar pelo bem de todas na cidade.
- Nenhum membro da Igreja deve vender ou negociar seu voto. Ele vale as transformações que você anseia para sua cidade, portanto, não tem preço, a não ser sua visão e consciência cristã madura.
Vivemos tempos marcados por muita corrupção. A igreja não pactua com essas práticas e condena enfaticamente quem possui tais práticas imorais e anticristãs.
Finalizo dizendo que a Igreja deve sair das quatro paredes e agir, comprometer-se. O convite de Deus para a Igreja é que ela deve sair para o mundo que Ele criou, envolver-se com os seres humanos que Ele criou à Sua imagem, pelos quais Jesus Cristo morreu. Esse é o nosso mundo, não podemos fugir dele e de seus desafios e contradições. Nós também vivemos nesse mundo, estamos juntos nas belezas e nas mazelas que temos. É nesse mundo que precisamos viver o amor de Deus, testemunhar a graça divina, servir, sofrer e morrer por Jesus Cristo. Esta é nossa jornada hoje! Deus está conosco até o fim.
Tempo de eleições municipais é tempo de reflexão, oração e ação.
Bispo Adonias Pereira do Lago – QUINTA REGIÃO ECLESIÁSTICA