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A perspectiva wesleyana da doutrina do Pecado Original (Sermão 44)

Permita-me inicialmente contextualizar a expressão usada no título do sermão de John Wesley. Trata-se de uma expressão desenvolvida por Agostinho de Hipona, entre os séculos IV e V d.C. com o intuito de esclarecer a origem da imperfeição humana, do sofrimento e da existência do mal; em detrimento da Queda do Homem. Agostinho desenvolveu essa teologia em contraposição aos ensinos de Pelágio da Bretanha, o qual negava a corrupção da natureza humana e assim, também, a necessidade da Graça divina para a salvação. A expressão “Pecado Original” não aparece na Bíblia, contudo é amplamente fundamentada por toda a Escritura Sagrada. O sermão 44 apresenta o comentário de John Wesley para essa doutrina.

O sermão tem como texto base: Gênesis 6:5. Wesley introduz o tema analisando a incompatibilidade que há entre o pensamento presente em crenças pagãs e entre muitos cristãos e a Palavra de Deus, no que tange a natureza humana. Wesley aponta que muitos pensadores influentes “pagãos e cristãos” se empenham em descrever a natureza humana de maneira formosa, otimista, de certa forma “fofa”. Estes apresentam a condição humana mergulhada em inocência e perfeição. Indivíduos assim persuadem inúmeros seguidores, cujos egos amaciados convergem em aplausos inesgotáveis a essa teologia. Entretanto, essa perspectiva não encontra fundamento algum nas Escrituras, pelo contrário, “são profundamente irreconciliáveis com a narrativa bíblica”. Wesley decide dividir o sermão em três partes principais para expor sua interpretação e argumentação: 1- mostrar a condição humana antes do dilúvio; 2- questionar se essa condição permanece ou não, após o dilúvio; 3- concluir a tese. Observemos a seguir a perspectiva wesleyana da doutrina do Pecado Original:

  1. Em primeiro lugar, de acordo com o texto base, Deus viu (“Ele não pode ter-se enganado”), que a condição humana era má (“— não deste ou daquele homem; não de uns poucos homens somente; não meramente da maior parte, mas do homem em geral; dos homens em sua universalidade”). A raça humana toda havia se corrompido. A humanidade era má em todas as suas faculdades (inclinação, desígnio do coração, imaginação dos pensamentos). Deus viu que tudo o que o ser humano produzia era contrário à Sua natureza, justiça e retidão. Não havia nenhum bem misturado ao mal. Apesar de existir, dentre os homens, alguns com “impulsos bons colocados em seu coração” (em decorrência da ação do Espírito de Deus na terra) sua natureza permanecia puramente má. Ao mesmo tempo, não havia intervalos de lucidez, onde algum bem pudesse emergir do coração humano. Não, “não temos razão para crer que houvesse qualquer intermitência naquele mal”. Deus viu que essa maldade era má, continuamente.
  2. Wesley defende que a condição humana depois do dilúvio perdurou a mesma. Inspirados por Deus: Davi, Isaías e outros profetas não apresentam um diagnóstico diferente do texto de Gênesis. A humanidade em seu estado natural, à parte da graça de Deus continua má, continuamente. Nesse estado natural, a humanidade não percebe a sua condição. Enquanto Deus não abrir os olhos, seu estado de cegueira insistirá. “Enquanto o homem que nasceu cego continuar nesta condição, dificilmente se mostrará sensível ao que lhe falta: muito menos poderíamos supor que, num lugar em que todos os homens nascessem sem vista, pudessem eles ser sensíveis à falta de visão”. Wesley chama de “ateístas no mundo” (αθεοι εν τω κοσμω) a condição humana antecedente ao conhecimento de Deus. Sem o conhecimento de Deus, também não há quem ame a Deus. No estado natural nenhum ser humano pode deleitar-se em Deus, muito menos temê-Lo. Porém, o ateísmo não anula a idolatria. Para Wesley, todo “homem que nasce no mundo se qualifica como idólatra”. Podemos não prestar culto pagão a alguma divindade, nos curvarmos a alguma imagem ou escultura, no entanto, “estabelecemos nossos ídolos em nossos corações e perante eles nos encurvamos e lhes damos culto: cultuamo-nos a nós mesmos, quando tributamos à nossa pessoa o culto que somente é devido a Deus, por isso todo orgulho é idolatria; é atribuir a nós mesmos aquilo que só é devido a Deus”. Na perspectiva de Wesley, “Satanás também imprimiu em nosso coração sua imagem, obstinação”. O pecar obstinado, nada mais é que concordar com o diabo, ter as ações governadas por ele, em um mesmo princípio. Contudo, quando diz respeito ao amor pelo mundo, trata-se de uma idolatria de que o diabo não é culpado. É natural para o homem natural buscar felicidade na criatura ao invés de no Criador. Wesley chega a afirmar que os desejos da carne são apetites que escravizam, manobram o homem, o elencando a categoria de animal, mesmo com toda sua boa educação e outros refinamentos. A humanidade e seu estado natural apresenta três sintomas: desejo da carne, desejo dos olhos e vaidade da vida. Este terceiro se dá no desejo de louvor, no aplaudir a si mesmo “em razão de seu amor ao aplauso”. Isso impede o homem de louvar a Deus, e louvando a Deus de crer Nele, pois “Como podeis crer, vos que recebeis honra um dos outros, e não buscais a honra que somente vem de Deus”.
  3. Na conclusão do sermão, Wesley é enfático ao dizer que a crença no “Pecado Original” (ou depravação total na tradição calvinista) é a diferença central entre o cristianismo e o paganismo. Para Wesley, “todos os que negam isto (chame-se de ‘pecado original’ ou de qualquer outro nome), não são mais do que pagãos”. No que diz respeito à condição corrompida do homem, Wesley afirma: “Confessa-o, e chegas ao ponto de vista cristão. Nega-o, e não és ainda mais um que um pagão”. O centro da religião de Jesus Cristo está no reconhecimento da condição humana e da dependência do conhecimento (que gera fé) de Deus como a cura da alma. Essa fé operando pelo amor, resulta na humildade pacífica, morte para o mundo e submissão amorosa à vontade de Deus e a Sua Palavra. Essa reforma é interior, não somente exterior. Wesley declara que “o grande fim da religião é renovar nossos corações à imagem de Deus, reparar aquela perda total da justiça e verdadeira piedade que sofremos pelo pecado de nossos primeiros pais”. Para ele, toda religião que não corresponde a esse propósito (“a renovação de nossa alma à imagem de Deus, segundo a semelhança daquele que a criou”) é “uma pobre farsa e um simples zombar de Deus, para a destruição de nossa própria alma”.

Wesley encerra o sermão fazendo um apelo para que possamos nos guardar de todos os que ensinam mentiras, pintando uma imagem falsa da natureza humana, elevando a humanidade a um patamar moral que não lhe pertence. O clérigo metodista clama para reconhecermos nossa doença e assim conhecermos nossa cura. Se nascemos em pecado, que nasçamos de novo.

Por natureza sois totalmente corruptos; pela graça sereis totalmente renovados. Em Adão todos vós morrestes: no segundo Adão todos vós fostes vivificados. A‘vós, que estáveis mortos em pecados, Ele vos revivificou’: Ele já vos deu um princípio de vida, ou seja, de fé naquele que vos amou e deu-se a si mesmo por vós! Agora, ‘ide de fé em fé’ até que toda vossa enfermidade seja sanada e haja em vós ‘toda a mente que também havia em Cristo Jesus’.  John Wesley

— Texto do seminarista Benaia Montevechi

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