Creio que minha missão enquanto discípulo de Jesus não pode limitar-se a proclamar uma mensagem de “salvação da alma”. Minha missão é fazer discípulos e discípulas que aprendam a obedecer ao Senhor em todas as circunstâncias da vida diária, tanto no privado quanto no público, tanto no pessoal quanto no social, tanto no espiritual quanto no material.
Creio que o chamado do Evangelho para uma transformação integral que reflete o propósito de Deus de redimir a vida humana em todas as suas dimensões.
A mensagem do Reino de Deus em Jesus personifica a superação de tudo o que de alguma maneira oprime o ser humano: é a possibilidade concreta da superação do mal físico e estrutural, bem como do pecado individual e institucional, da dor, das divisões, do ódio e finalmente, da morte. No instrumental de Jesus, o Reino não é uma possibilidade futura mas, realidade presente.
A consequência lógica desta relação consiste na antecipação histórica do Reino de Deus. O pecado e a autoafirmação antropológica do ser humano é condenável sob este ponto de vista justamente porque desenvolvem uma relação que em sua essência está ligada ao poder. Para Jesus, o Reino de Deus deve ser antecipado pelo poder do amor, justiça, verdade, igualdade, serviço e paz – visualizada no ideal da Refeição Escatológica, e não pelo poder do pecado pessoal e social.
Disto também resulta o fato de que o pecado não deve somente ser perdoado, mas, arrancado, erradicado da vivência humana. Apagar o pecado permite a concretude da mensagem e a vivência transcendente e ao mesmo tempo plena do Reino de Deus. Por isso, deixar a prática do pecado é o sinal da adesão pessoal ao Reino e ao acolhimento incondicional da Boa Nova que ocasiona diretamente o envolvimento na luta contra o pecado estrutural e institucional da sociedade humana.
Essa reflexão ecoou em meu interior como consequência direta de uma pergunta: “Pastor, qual é o seu posicionamento diante do que ocorreu com aquela menina do estado do Espírito Santo, que fez o aborto em Recife?”
O Reino de Deus na pregação de Jesus coloca em evidência o caráter de um mundo legalista, repressor e excludente, que necessariamente, deveria ser reestruturado a partir da ótica de um Deus que deseja reconciliá-lo consigo.
Gosto de pensar no conceito da Justiça de Deus manifesta através da Equidade: sou contra o aborto por ser a favor da vida, mas, pensando a equidade, neste caso e, infelizmente, entre tantas mazelas humanas referentes à crianças em nosso tempo, uma criança gerando outra criança é a concretização da crise à qual estamos acometidos como sociedade: é a velha e caótica ordem dos extremos e da sujeição da condição da dignidade humana em detrimento da valorização do ser que precisa ser reconciliado consigo, com o próximo e com o próprio Deus!
Que o Reino de Deus e sua mensagem de confronto com o pecado, mas, valorização da essência da vida humana, permita à essa “menina” a possibilidade da Reconciliação: que as trágicas marcas da perda da inocência e de um amadurecimento forçado, não retirem dela a força, coragem e desejo de viver uma nova e inspiradora Vida!
Luciano Martins, pastor na IM em Cândido Mota (SP) e diretor do Instituto Metodista Educacional Bispo Scilla Franco